27.6.09

angélica

no nosso último encontro, acariciou-me com as suas mãos quentes de dedos longos e unhas sempre impecavelmente pintadas de vermelho. abracei-a e quis guardar para sempre aquele abraço, depois de tantos abraços que me encheram os dias de ternura e de esperança. disse-lhe que voltaria no verão para vê-la e a verdade é que voltei.
ela era (o tempo verbal também fala) a minha "
" e falava de mim referindo-se à "minha menina". nunca mais ninguém me vai chamar assim.
quando me achou crescida foi para a sua casa, virada para a serra, e passou a enviar-me todos os meses cartas, cartas de amor.
numas férias grandes e descansadas como as que antigamente havia ficámos com ela um mês, e esses trinta dias converteram-se num chamamento à terra, que ainda hoje lembramos.
quando completou noventa anos juntou os "
velhotes" da aldeia, como lhes chamava, embora todos fossem mais novos do que ela.
exercia claramente as suas preferências, não fugindo à controvérsia. de vez em quando soltava um grito que punha todos em sentido e, nos últimos tempos, esse grito era interpretado como um sinal de vitalidade. pudera eu escutá-lo agora...
e agora o que tenho é um vazio tão cheio como nunca sentira.
That's life, that's what all the people say, e tudo o que resta é a memória. e a saudade.

1 Comments:

Blogger Cho said...

sim. e o sorriso de quem recorda. o sorriso lembrado.

24/8/09 12:51 da tarde  

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