18.1.07

Entre Kant e Hegel

Ficou-me das aulas de Direito Penal, em que tinha por Docente uma ilustre Magistrada do Constitucional, a noção de 'conceito material de crime'. Há algumas teorias, diferentes perspectivas, mas tenho ideia que, de entre duas visões possíveis, o comum - e típico em Estados de Direito Democrático e, portanto, em Portugal - é a sua simbiose.

A questão é: o que é que deve ser 'crime'? Que comportamentos devem ser caracterizados enquanto tal? Que acções ou omissões merecem uma pena privativa de liberdade?

A resposta, nessa simbiose estabelecida, é que é crime o que o pulsar da sociedade assim indicar, mas não só: poderá o legislador querer orientar a sociedade num determinado sentido (normalmente, no da concretização da ideia de Estado de Direito e da ideia de Democracia), por forma a que, passados anos, tal comportamento seja naturalmente encarado pela societas como um acto criminoso.

Pergunto-me onde podemos alcançar o conceito material de crime nas mulheres que se sujeitam a uma interrupção - dita voluntária - da gravidez. Num unanimismo nada dúbio, a sociedade condena a punição dessas mulheres - logo, não indica a necessidade de criminalização deste acto ao legislador. Por outro lado, nunca o legislador- Governo e deputados da AR- (ontem, hoje e amanhã) pretendeu que o aborto seja um acto que leve mulheres para as prisões.

No meio de tanto argumento, há um, esse sim, que deveria dar direito a prisão: há pessoas, de todos os quadrantes e responsabilidades, que defendem A NÃO APLICAÇÃO DE UMA LEI QUE QUEREM MANTER COM O VOTO NÃO NO REFERENDO DE DIA 11. Assinalam descaradamente: "Mas quantas mulheres estão presas por terem feito um aborto?" Nenhuma, porque ninguém encara esse acto como um crime merecedor de pena privativa de liberdade. Então para quê manter uma lei que nunca foi aplicada e que se pretende que nunca venha a ser?!

É apenas isto que está em causa no referendo: manter ou não em vigor uma lei que nunca será aplicada. Quem quer manter, vota não; Quem não quer, vota sim.

Estamos, assim, num estado de discussão manifestamente atrasado, porque devia dar-se por adquirido que há que rever uma lei que é mera letra morta. Andamos nisto há anos.